quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Humanismo

Chamou-se humanismo o movimento cultural iniciado na Itália e que se espalhou pela Europa, no período que corresponde à transição da Idade Média à Idade Moderna.

A partir da Tomada de Ceuta em 1415, os navegantes portugueses chegaram à África, à Ásia e à América. Essa nova realidade mercantil provocou uma crise no sistema feudal e no pensamento religioso, que levou o teocentrismo a ceder seu lugar ao antropocentrismo, isto é, o ser humano no centro da vida humana. Essa nova visão refletiu-se nas grandes obras do período, que tinham como centro de interesse o próprio ser humano.

Entre os fatores que contribuíram para tal mudança podemos apontar:
a) A ampliação do mundo conhecido através das grandes navegações;
b) A ascensão da burguesia voltada para o comércio e para a vida material;
c) A invenção dos tipos móveis na imprensa por Gutenberg, que facilitou a divulgação das obras clássicas, até então copiadas a mão, pelos monges nos mosteiros.

As manifestações literárias mais significativas do período humanista em Portugal foram:
- Na historiografia - as obras de Fernão Lopes, Gomes Eanes de Azurara e Rui de Pina;
- Na poesia - as obras de João Ruiz de Castelo Branco.

- o teatro - as obras de Gil Vicente.

Fernão Lopes pode ser considerado o criador da historiografia em Portugal. Em 1418, foi nomeado arquivista oficial da Torre do Tombo, onde são guardados os documentos históricos do país. Em 1434, foi promovido a cronistamor, passando a escrever a história dos reis de Portugal. Embora tivesse de centralizar a sua crônica nos reis, teve o mérito de investigar as relações sociais que movimentam o país, além de captar o sentimento coletivo do povo português. Devido ao posto que ocupava na Torre do Tombo, pôde fundamentar suas idéias com documentos escritos, o que constitui uma das bases da historiografia moderna. Suas principais obras são: Crônica de D. Pedra, Crônica de D. Fernando e Crônica de D. João I.

Gil Vicente é considerado o criador do teatro popular em Portugal. Sua primeira apresentação, em 1502, foi o Auto do vaqueiro ou o Auto da visitação, dedicada ao filho recém nascido do rei D. Manuel, no quarto de D. Maria, esposa do rei.

O teatro de Gil Vicente baseia-se principalmente na sátira (as farsas), que ele utilizava para criticar e denunciar os erros, a corrupção e a falsidade de todas as camadas sociais: da nobreza, do povo e do clero - apesar de ser uma pessoa profundamente religiosa.

Sua produção contém 44 obras e sua galeria de tipos humanos é imensa: o padre corrupto, o cardeal ganancioso, o sapateiro que explora o povo, a beata, o médico incompetente, os aristocratas decadentes, etc. Seus personagens não têm nome - são sempre designados pela profissão, assim registrando os tipos sociais que faziam parte da sociedade da época.

Suas principais obras são: Monólogo do vaqueiro ou Auto da visitação, Trilogia das barcas (Auto da barca do inferno, Auto da barca do purgatório, Auto da barca da glória), Auto da alma, Farsa de Inês Pereira, Juiz da beira, Auto da feira, Quem tem fareI os?, Auto da Lusitânia, Auto da índia e Floresta de enganos (sua última peça).

AUTO DA LUSITÂNIA

Ninguém: Que andas tu aí buscando?

Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.

Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?

Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.

Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.

Belzebu: Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.

Dinato: Que escreverei, companheiro?

Belzebu: Que Ninguém busca consciência.
e Todo o Mundo dinheiro.

Ninguém: E agora que buscas lá?

Todo o Mundo: Busco honra muito grande.

Ninguém: E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.

Belzebu: Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra Todo o Mundo
e Ninguém busca virtude.

Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?

Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.

Ninguém: E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.

Belzebu: Escreve mais.

Dinato: Que tens sabido?

Belzebu: Que quer em extremo grado
Todo o Mundo ser louvado,
e Ninguém ser repreendido.

Ninguém: Buscas mais, amigo meu?

Todo o Mundo: Busco a vida a quem ma dê.

Ninguém: A vida não sei que é,
a morte conheço eu.

Belzebu: Escreve lá outra sorte.

Dinato: Que sorte?

Belzebu: Muito garrida:
Todo o Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.

Todo o Mundo: E mais queria o paraíso,
sem mo Ninguém estorvar.

Ninguém: E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.

Belzebu: Escreve com muito aviso.

Dinato: Que escreverei?

Belzebu: Escreve
que Todo o Mundo quer paraíso
e Ninguém paga o que deve.

Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.

Ninguém: Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.

Belzebu: Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.

Dinato: Quê?

Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso,
E Ninguém diz a verdade.


Vocabulario

Perfiar: Procurar
Como hás nome: Como te chamas
Eu hei nome: Eu me chamo

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